Fui desafiado, poucos dias após o falecimento do meu avô, a escrever sobre o significado que ele teve, especificamente na minha vida. Sou o neto mais velho e convivi com ele mais tempo do que meus irmãos e primos, e tenho lembranças mais antigas e mais nítidas de algumas características deste homem que, para todos nós, é a representação do ser Justino e do ser Cristão. Demorei, pensei muito sobre o assunto e aqui está o primeiro esboço do que posso dizer.
Primeiro, o mais importante. O modelo de cristão que temos na figura do seu Elizeu me faz pensar sempre na passagem de Hebreus 12:1-2: "Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas, desembaraçando-os de todo peso e do pecado que tenazmente nos assedia, corramos, com perseverança, a carreira que nos está proposta, olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus, o qual, em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia, e está assentado à destra do trono de Deus." O autor deste livro se coloca na posição de herdeiro da fé daqueles homens listados no capítulo 11 (a tal multidão de testemunhas), e enxerga nessa herança o modelo para continuar perseverando na proposta de Cristo. Hoje, posso dizer a mesma coisa: sou herdeiro de uma fé que me foi passada, não pelo sangue dos meus pais, mas pelo testemunho de um homem como o seu Elizeu, simples e humilde, mas comprometido com a Palavra, perseverante no estudo, na oração, no ensino e na aplicação.
O autor da carta aos hebreus lembra de Abel, Enoque, Noé, dos patriarcas, de Moisés e lista tantos outros. Hoje, há muitos outros que podem ser listados, homens "atuais" mas que preservaram a mesma esperança dos primeiros servos de Deus. Naqueles tempos, vislumbravam a promessa da redenção, do sacrifício de Cristo, que substituiria o nosso sangue. Hoje, tendo já recebido o sacrifício e crendo no relato das testemunhas oculares, andamos na promessa da instalação definitiva e plena do Reino de Deus, com o retorno de Cristo. Chamamos Heróis aqueles homens que, antes de ver, creram. Tinham "a certeza das coisas que se esperam, a convicção de fatos que não se vêem". Portanto, nada mais justo do que considerar o vô como mais um nessa nuvem de testemunhas, heróis da fé, que pautaram sua trajetória na Palavra de Deus. Não acredito que exista maior privilégio neste mundo do que conhecer, conviver e aprender com homens assim.
No segundo aspecto, algo muito interessante aconteceu nesta família. Com o tempo, criamos uma instituição: a Justinolândia, ou o "ser Justino". Não é pouca coisa, este nome está carregado de conotações e de princípios. O Justino é crente, acredita na instituição Família - criada e mantida por Deus, acredita na Igreja e no ministério que todos nós temos no meio dela. Reconhece nos parentes (muitas vezes tão achincalhados na cultura popular) irmãos de verdade, herdeiros do mesmo sangue e da mesma tradição. Reconhece nos "agregados" novos membros da família, e não apenas estranhos. Algumas coisas o vô nos mostrou sobre isso, até depois de morto. Um amigo seu, velhinho, esteve ao lado do caixão durante toda a madrugada, no velório, e até o final do enterro. Um garotinho, seu vizinho, fez questão de ir ao enterro e depositar uma flor sobre o caixão. A família toda, cantando, cuidando uns dos outros, passou 3 dias que, apesar de muito difíceis, não posso definir com menos do que "maravilhosos", após o enterro.
Nada disso é de graça. É, sim, por graça de Deus, e fruto de uma vida toda (83 anos) dedicada a Deus e a sua família, a Igreja e aos amigos.
Me lembro do vô nos buscando (eu e meu irmão) com seu Chevette amarelo, em frente a escola, muitos anos atrás. Nos levando para almoçar na sua casa: arroz e feijão, carne de panela, couve refogada, farofa, laranjada. Mas sempre ele primeiro orava, depois servia a salada, e só depois o restante da comida.
Em um dos últimos anos, de férias em São Paulo, tive a oportunidade de estar reunido com meus irmãos e primos na cozinha da casa dele. A vó estava escrevendo suas memórias, e o vô nos contando inúmeras lembranças, nos perguntando nossos planos. Nós sabíamos que ele orava por nós todos os dias e sabemos que Deus ouviu suas orações até o último dia.
Meu avô faleceu como viveu: em paz com seu Deus, e isto refletiu na vida de todos nós. No último ano antes de morrer ele viu 3 de nós casarem, viu nascer o primeiro bisneto. E, com base no testemunho dele, só posso crer que Deus cumprirá sua promessa de guardar a aliança e a misericórdia até mil gerações aos que o amam e guardam os seus mandamentos. Meus filhos e netos certamente serão abençoados pelo testemunho deste homem.
quarta-feira, outubro 05, 2011
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