"É verdade que o silêncio do texto é confortável... não se arrisca a morte, como Dickens, a quem os médicos pediam que calasse enfim seus romances... o texto e cada um... todas essas palavras amordaçadas na amolecida cozinha de nossa inteligência... como pode se sentir alguém nesse silencioso tricotar de nossos comentários!... além disso, julgando o livro à parte, a sós, não se corre o risco de ser julgado por ele... é que,desde que a voz se mistura, o livro diz muito sobre seu leitor... o livro diz tudo.
"O homem que lê de viva voz se expõe totalmente. Se não sabe o que lê, ele é ignorante de suas palavras, é uma miséria, e isso se percebe. Se se recusa a habitar sua leitura, as palavras tornam-se letras mortas, e isso se sente. Se satura o texto com a sua presença, o autor se retrai, é um número de circo, e isso se vê. O homem que lê de viva voz se expõe totalmente aos olhos que o escutam.
"Se ele lê verdadeiramente, põe nisso todo seu saber, dominando seu prazer, se sua leitura é um ato de simpatia pelo auditório como pelo texto e seu autor, se consegue fazer entender a necessidade de escrever, acordando nossas mais obscuras necessidades de compreender, então os livros se abrem para ele e a multidão daqueles que se acreditavam excluídos da leitura vai se precipitar atrás dele."
Pennac, Daniel. Como um romance. RJ: Rocco, 1993.

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